Língua morta
(RiCarvalho)
Aqui jaz a palavra,
Assassinada pelo seu povo,
Adoecida na ponta da língua,
Vivia a mingua,
Mutilada,
Perdida.
Mas, mesmo em epitáfio,
deixou palavras bonitas:
- Paz, amor, liberdade e vida.
são as palavras da palavra,
para que não seja esquecida,
e, pra quem sabe, virar poesia.
(quiçá em merecidas línguas).
...
Águas Passadas
(RiCarvalho)
Eu poderia ter contado (...)
Daquilo que eu sentia
(amor, dor e ódio)
Eu poderia ter me calado (...)
E evitado o pranto daqueles dias
Eu poderia ter dito tantas coisas (...)
E talvez não tivesse perdido
E se não estivesse perdido
- encontrado contigo um dia –
E se não estivesse ferido
- me levantaria e seguiria –
E se soubesse de meu futuro
O meu mundo seria apenas jubilo
Minha casa seria alegria
Meu amor correspondido
Minha história reescrita
(mas só me resta o presente)
Eu deveria ter sabido (...)
Que o rio não voltava
Que as águas do futuro um dia tormentariam
E que a vida, na maioria das vezes,
É como um presente embrulhado e sem remetente
Que quando aberto, nunca mais poderá ser devolvido
(a não ser ao túmulo)
(nas palavras vazias de despedida)
(quiçá nas canções de novos dias)
Pois passageiros somos
- na jangada da vida.
Prisioneiro
(Ricarvalho)
Atrás das grades:
Quadrado luminoso
De ensolarada tarde
- Liberta visões.
Vejo os pardais
E a primavera chegar
Vejo o florir dos campos
Com borboletas a voar
Atrás das grades:
Sinto a dor de ver-se
Solitário e indigno
- das graças do mundo.
Lembro da família
Mãe, irmãos e amigos.
Lembro dos amores
Rita, Isadora, Beatriz, Andréia...
E Aquela.
Atrás destas grades
Estou perdido,
Trancado;
Injustiçado
- culpa da mente.
Pensava poder mudar as coisas
- Mudar o mundo!
Pensava que o outro era confiável
Mas foi o contrario que o outro se mostrou.
Atrás destas grades,
Vejo meu amor se ir
Deixando-me preso,
Amarrado até o pescoço
- a forca seria mais piedosa.
Preso em uma dor que me tirou à calma
Não faço nada, não como; não bebo...
Apenas um reflexo do homem que,
Quando livre, fretava com a felicidade.
(antes da sentença de um amor perdido)
...
Do alto da janela eu vejo
(RiCarvalho)
Da janela da minha sala
eu vejo um mundo que passa
(e ele corre)
Eu vejo a chuva fraca
Caindo nos verdes ipês de abril
Nos cinzas de granito ou no negro asfalto
Que se perdem de vista
(de urbana cidade)
Que substituíra muito do verde que ali tinha
No qual andorinhas bailavam, agora
Só via-se pedra, vidro e metal.
(Trocaram as cores vivas por um colorido artificial)
Mas as aves não desistiram de seu bailar vespertino
E em todo fim de tarde elas vinham
E como em protesto bailavam
No alto de nossas esquinas, sentavam
Nos fios altos que cantavam progresso, miravam
Nos donos de automóveis e asfalto
Cagavam e riam...
(cantavam dementes)
E da janela da minha sala
A tudo assistia, vendo com certa ironia
Que dali não me acertavam - pois dali eu nada fazia...
(sorria demente)
...
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